D'propósito

20 de novembro de 2007

Canto retinto

Perdida nos dias do feriado me acho no canto e na poesia. Confundo quarta com sexta, quinta com sábado e com as datas do passado. Não confundo as datas por estar perdida no tempo, mas na história; que por uma hora ou mais, vi, vivi e senti minha raiz, meu sangue, minha negritude sacrificada e clamando no canto a liberdade.

Foram duas vozes que invadiram e entraram sem pedir licença, e como um aconchego a gente agradece com o corpo, que acompanha o canto e a expressão liberta com uma brasilidade e africanidade que posto a ser negra, se não é exposto na pele branca e amarela que carrego, é no coração e no sangue que salva a Xangô e Oxalá e guarda os orixás.

O clamor que trazia as forças dos ancestrais era originada primeiramente, pela voz carregada no corpo de uma paulistana toda baiana. Baiana no seu gestual, na sua vestimenta branca com turbante deixando saltar os cachos assumidos da pele preta. É preta porque na Bahia eles são pretos e não negros. Preto. como o Preto retinto que foi a segunda persona a me paralisar no canto que arrepiaram meus pêlos e ecoou por todo o meu corpo. De pés nos chão e seguros de onde pisavam, foi na graça de Fabiana Cozza e Aloísio Menezes que conheci os Cantos Negreiros, no teatro apertado e aconchegante da Biblioteca Alceu Amoroso Lima.

Feliz, emocionada e agradecida, saí de lá mais negra, mais brasileira e como já me acompanhava nos últimos tempos, mais do que em todo o meu viver até então, o samba gingado nos quadris e na veia que corre o sangue escravo.

Esta foi uma das apresentações mais marcantes e quase indescritível; recheada de música negra e poesia declamada pelo escritor Marcelino Freire. Intercalada no canto e na batida da percussão com a poesia de Marcelino, viajei com os Cantos Negreiros e o porto dessa viagem não sei onde está. Sinto-me ainda em alto mar no clarear e no brilho do céu, no cortejo de Oxum, nos braços de Xangô e no canto infindável de Aloísio Menezes e Fabiana Cozza.




Em comemoração ao dia da Consciência Negra, logo mais a noite terá show de Fabiana Cozza com Martinho da Vila - na Praça da Sé às 19h.