D'propósito

23 de fevereiro de 2010

As letras que não são minhas

Eu sinto uma ponta de culpa de ficar tanto tempo ausente daqui. E acho justo que se não paro e penso para escrever, dividir as páginas que leio é o mínimo para preencher o espaço vazio e branco.

"Parece que tudo está fechado e protegido por uma redoma de vidro finíssimo e o calor torna os movimentos ainda mais pesados; mas não há calma dentro de mim. É como se um rato estivesse roendo a minha alma, e de uma maneira tão imperceptível que até parece suave. Não estou mal e também não estou bem, a coisa preocupante é que "não estou". Mas sei me reencontrar: basta levantar os olhos e cruzá-los com o olhar refletido no espelho para que uma calma e uma felicidade tranquila tomem conta de mim.[...] A única coisa que realmente me faz ficar bem é aquela imagem que contemplo e amo:todo resto é ficção".

100 escovadas antes de ir para a cama, de Melissa Panarello.

10 de fevereiro de 2010

o escândalo da morte e a dor do amor

foto/fonte: le love

O ônibus é, no fim das contas, mais reflexivo que um metrô. Talvez porque demore mais. E foi a caminho do trabalho que pensei que há sempre alguém sofrendo por amor. Se não é você, é um amigo, ou quem não se gosta mais. E por trás da dor do amor há sempre alguém aconselhando o que fazer. Como esquecer, como reagir, o que falar, como se comportar, feito esses livros ambulantes de auto-ajuda.

Mas entre todas as coisas que as pessoas mais dizem é: não se humilhe! O que não é bem o que aconselha Roberto Freire em Ame e dê Vexame ou em Insista, crônica do livro Canalha!, do Carpinejar.

Eu amei, insisti, dei vexame e as pessoas diziam, “você tem que ter o mínimo de orgulho”. Também acho. Mas acredito mesmo que só se pode ter orgulho depois de um belo escândalo.
Por exemplo, nós fazemos escândalo diante da morte e sem vergonha que nos vejam chorar desconsolados abraçando o corpo que já não responde. Parece ridículo comparar a dor que se tem a perda da morte a de um relacionamento, já que não há consolo para a perda definitiva de alguém. Mas ridículo, talvez, seria também não comparar.


Já vi muita gente tentando descrever a dor da morte e não conseguir. Além de um vazio e as melhores lembranças do falecido não há mais nada que eu me lembre da morte. Até hoje sofri com a perda de dois bisavós, um avô e uma tia. Mas mesmo com a ausência dos quatro, tendo sentindo muito mais com a morte da minha tia, eu ainda não senti nada parecido com a dor da perda de um amor. Porque ao contrário da morte a separação não nos faz enterrar ninguém, a paixão sempre está mais viva para uma das partes e mesmo com a desintegração ele não deixa de existir, só muda o status ou a posição no tempo que de presente e futuro, de repente, se torna passado.

A morte não tem tempo, mas sempre tem companhia. Diante da morte você sempre tem companhia para chorar e recordar o melhor de quem não pode mais respirar. Do amor perdido, não. É você e só você para lembrar dos sorrisos trocados, do café da manhã surpresa, dos fins de semana todo na cama, das brigas por ciúme e do próximo aniversário que vocês não vão comemorar juntos.

A morte é o fim da esperança, o fim de um relacionamento é começo dela. Por pior ou melhor que tenha terminado sempre há esperança por parte do amor, senão pelo que se vai, pelo próximo que pode vir. Porque no fim das contas não dá pra superar o que não foi enterrado. Não se pode enterrar um sentimento ainda vivo, em qualquer coração que seja, ou que vier.