D'propósito

7 de abril de 2015

Burnout

Minha cama era o que me separava do mundo. Os sonhos que construí sobre ela e nunca realizei, a preguiça de sair e encontrar pessoas, a falta de coragem para ir a academia ou trabalhar para uma empresa que não me oferecia há muito tempo mais do que uma vista bonita da cidade e vários motivos que me fizeram gostar de ficar na cama e no quarto vendo netflix do que ir a qualquer lugar. A culpa era da cama, por ser tão boa, pensava eu.

Tendo observado sobre o oceano que construí entre o que fui socialmente - um dia - e o que me tornei, achei que precisava tomar uma providência. Troquei de cama e colchão para tentar ser mais social e me aproximar do mundo, só não troquei minha colcha preferida, a amarela. Existe amor entre nós, confidências, carinho e uma entrega mútua que faz dormimos quase que abraçadas. A colcha amarela tem muito mais do que a função de cobrir e ser bonita. A colcha amarela é o que me conecta com a naninha gostosa, bem parecida com aquelas férias de julho da infância, que acordava e ia direto pro sofá ver desenho com a coberta e em algum momento cochilava de novo.

Além da cama, tudo do meu quarto também foi embora, a colcha amarela ficou. Mudei radicalmente e no princípio ajudou, acordei mais cedo alguns dias, meu corpo ainda não tinha se acostumado a nova cama, reclamava, apesar de ter trocado a de solteiro pela de casal para me sentir mais adulta na casa da minha mãe. Inicialmente fez efeito, depois já nem tanto. Então pensei que era a colcha amarela que me separava do mundo e me segurava todas as manhãs.

Alguns amigos disseram que depois da mudança é que não sairia mesmo de casa. Mas desde que entrei no ritmo amo-ficar-em-casa-e-não-quero-sair, li mais, vi mais filmes, estudei mais inglês e vi menos pessoas. Com o tempo fiquei com preguiça até de ver meu namorado, um problema para relação, naturalmente.

Há uns dois anos quando fazia terapia, fui orientada que precisava tomar cuidado com meu posicionamento. A terapeuta disse, “você está com um comportamento que acha que está melhor sozinha e isso não é bom, senão acabará mesmo”. Concordei e achei que sim. Mas eu gosto muito de estar sozinha, não era assim, sempre precisei de uma companhia, mas agora gosto. Deve ser como pro gordo que prefere ser magro e tem de viver no regime. Sempre fui magra, nunca precisei de regime e nem posso imaginar em fazer, a genética me acostumou a ser livre para comer tudo e também para ser sociável. Agora estou com alma de um gordo que não quer regime. Na verdade entrei no regime de pessoas e ganhei muito tempo.

Apesar de preferir estar só, encaro com cuidado meu comportamento e até como um certo defeito. Reavaliei de novo: o problema talvez seja São Paulo e não a cama, e não a colcha amarela. Alguém tem que ter culpa. Fiquei meses brigada com a cidade, rejeitando a paulicéia desvairada e descarada. Resolvi viajar, a melhor maneira de olhar pra dentro e para fora com distanciamento necessário para identificar as falhas no sistema. O que me coloca como uma pessoa social é o fato de gostar de conhecer pessoas quando viajo. Sim, ainda bem. Fui à Amsterdã e em uma noite percebi lá que o problema não era minha cama, minha colcha amarela ou só a cidade, descobri que tive Burnout. Que palavra linda, que sonoridade, que significado, que alívio em descobrir o que sentia. 

Em Amsterdã quem sofre de burnout fica afastado da empresa e recebe todo acompanhamento e tratamento psicológico. Em São Paulo, normalmente, não. Pelo menos não na minha empresa de vista bonita. Pobre e classe média tem de lidar com burnout de outra maneira, talvez na terapia particular sem deixar de trabalhar. 

Eu não precisei de terapia para descobrir que foi um esgotamento e uma fadiga crônica. E como a maioria dos diagnosticados com burnout, larguei tudo. Vou recomeçar longe, com um medo e uma curiosidade danada e, por enquanto, sem minha colcha amarela preferida, que estará a minha espera na volta pra me abraçar com novas histórias.

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