D'propósito

1 de novembro de 2011

Relação - parte III


Nem tarde, nem noite, enquanto Ele prepara um lanche Ela está sentada na mesa de jantar folheando o Guia da Semana.


- Se eu morresse amanhã o que é que você diria pra mim?


Ele, entre a pia e o fogão, olhou para trás com a expressão de quem desconfia da pergunta e não dá importância e continua cortando o tomate. Ela insiste.


- Hein, o que você me diria caso eu morresse amanhã?


Ele respirou fundo, como quem não quer conversar e responder. Não gostava de ser pressionado.


- Nada, não diria nada, estaria morta, falar com mortos não é meu forte.

- Você entendeu o que eu quis dizer...

- Entendi, mas acho uma besteira isso. Você não vai morrer.

- Como sabe que não?

- Porque você está aqui e eu estou cuidando de você.


Ela sorriu, mas era insatisfeita. Numa meninice quase sem vergonha, se levantou, chegou ao pé da orelha dele e disse.


- Eu não vou morrer, mas, e se eu for embora?

- Não terei mais pra quem cozinhar.

- E você não diria nada?

- Pra você ficar?

- É.

- Hmm, acho que perguntaria porque estaria indo, mas nunca te impediria de ir.


Ela não replicou de imediato, deixou o silencio fazer efeito, refletiu e não hesitou em dizer.


- Se você morresse amanhã eu diria que você foi a melhor coisa que me aconteceu nos últimos dias, a melhor companhia dos últimos meses e a minha saudade pra sempre.


Ele olhou bem nos olhos dela e ficou quieto, e ela continuou,


- Se um dia eu me chamar saudade...


Ele interrompeu a fala para beijar como quem mata a saudade e encontra a paixão. Ele não deixaria Ela se chamar saudade, e também não a deixaria ir enquanto fosse o seu motivo em vida, mesmo sem dizer.

.....

Diálogo inspirado na música "Quando eu me chamar Saudade", de Nelson Cavaquinho, que completaria 100 anos de vida, no último sábado, 29 de outubro.

Leia outras da série Relação, parte I e II