Minha cama era o que me separava do mundo. Os sonhos que construí sobre ela e nunca realizei, a preguiça de sair e encontrar pessoas, a falta de coragem para ir a academia ou trabalhar para uma empresa que não me oferecia há muito tempo mais do que uma vista bonita da cidade e vários motivos que me fizeram gostar de ficar na cama e no quarto vendo netflix do que ir a qualquer lugar. A culpa era da cama, por ser tão boa, pensava eu.
Tendo observado sobre o oceano que construí entre o que fui socialmente - um dia - e o que me tornei, achei que precisava tomar uma providência. Troquei de cama e colchão para tentar ser mais social e me aproximar do mundo, só não troquei minha colcha preferida, a amarela. Existe amor entre nós, confidências, carinho e uma entrega mútua que faz dormimos quase que abraçadas. A colcha amarela tem muito mais do que a função de cobrir e ser bonita. A colcha amarela é o que me conecta com a naninha gostosa, bem parecida com aquelas férias de julho da infância, que acordava e ia direto pro sofá ver desenho com a coberta e em algum momento cochilava de novo.
Além da cama, tudo do meu quarto também foi embora, a colcha amarela ficou. Mudei radicalmente e no princípio ajudou, acordei mais cedo alguns dias, meu corpo ainda não tinha se acostumado a nova cama, reclamava, apesar de ter trocado a de solteiro pela de casal para me sentir mais adulta na casa da minha mãe. Inicialmente fez efeito, depois já nem tanto. Então pensei que era a colcha amarela que me separava do mundo e me segurava todas as manhãs.
Alguns amigos disseram que depois da mudança é que não sairia mesmo de casa. Mas desde que entrei no ritmo amo-ficar-em-casa-e-não-quero-sair, li mais, vi mais filmes, estudei mais inglês e vi menos pessoas. Com o tempo fiquei com preguiça até de ver meu namorado, um problema para relação, naturalmente.
Há uns dois anos quando fazia terapia, fui orientada que precisava tomar cuidado com meu posicionamento. A terapeuta disse, “você está com um comportamento que acha que está melhor sozinha e isso não é bom, senão acabará mesmo”. Concordei e achei que sim. Mas eu gosto muito de estar sozinha, não era assim, sempre precisei de uma companhia, mas agora gosto. Deve ser como pro gordo que prefere ser magro e tem de viver no regime. Sempre fui magra, nunca precisei de regime e nem posso imaginar em fazer, a genética me acostumou a ser livre para comer tudo e também para ser sociável. Agora estou com alma de um gordo que não quer regime. Na verdade entrei no regime de pessoas e ganhei muito tempo.
Apesar de preferir estar só, encaro com cuidado meu comportamento e até como um certo defeito. Reavaliei de novo: o problema talvez seja São Paulo e não a cama, e não a colcha amarela. Alguém tem que ter culpa. Fiquei meses brigada com a cidade, rejeitando a paulicéia desvairada e descarada. Resolvi viajar, a melhor maneira de olhar pra dentro e para fora com distanciamento necessário para identificar as falhas no sistema. O que me coloca como uma pessoa social é o fato de gostar de conhecer pessoas quando viajo. Sim, ainda bem. Fui à Amsterdã e em uma noite percebi lá que o problema não era minha cama, minha colcha amarela ou só a cidade, descobri que tive Burnout. Que palavra linda, que sonoridade, que significado, que alívio em descobrir o que sentia.
Em Amsterdã quem sofre de burnout fica afastado da empresa e recebe todo acompanhamento e tratamento psicológico. Em São Paulo, normalmente, não. Pelo menos não na minha empresa de vista bonita. Pobre e classe média tem de lidar com burnout de outra maneira, talvez na terapia particular sem deixar de trabalhar.
Eu não precisei de terapia para descobrir que foi um esgotamento e uma fadiga crônica. E como a maioria dos diagnosticados com burnout, larguei tudo. Vou recomeçar longe, com um medo e uma curiosidade danada e, por enquanto, sem minha colcha amarela preferida, que estará a minha espera na volta pra me abraçar com novas histórias.
O trocadilho infame do título é porque a imagem que tinha de Sebastião Salgado mudou completamente e para melhor, depois de hoje, na cabine do filme O Sal da Terra, documentário que concorreu ao Oscar e mostra a trajetória do fotógrafo e as histórias de muitas de suas imagens.
Sempre admirei o profissional, porém considerava uma figura quase inalcançável e o achava até um pouco soberbo, por algumas entrevistas. Me agradava o trabalho mas não exatamente o homem. Uma tolice, passei anos completamente equivocada. Depois de ter visto o documentário comecei o admirar como homem, cidadão do mundo e de uma alma iluminada. O documentário traça um pouco de sua vida pessoal, porém, o foco de toda a trama, na verdade, acaba sendo os personagens de suas fotos.
Salgado nos conduz na maior parte do filme com sua narrativa, em francês, através de sua obra colocando o público para dentro da história de suas imagens; uma viagem pelo passado revelado pelo o olhar de quem conviveu meses enraizado, vivendo costumes e dificuldades como seus fotografados. E o que me parece mais surpreendente é que ele não dá o depoimento voltado para sua experiência complicada ou prazerosa. Isso está implícito, mas Salgado pouco usa o "eu" e revela o que exatamente interessa: histórias.
O filme é tocante, chocante e, pra mim, revelou detalhes da história do planeta que não sabia, como o genocídio em Ruanda, na África, e os poços de petróleo que explodiram do Kuwait. Me perguntei por onde andei que nunca soube. Vergonha. Mas acontece. Obrigada, Sebastião e aos diretores do longa, Win Wenders e Juliano Salgado.
A coadjuvante dessa obra toda, filme e carreira de Salgado é sua mulher, Lélia. Penso que seria possível um segundo filme só pra falar da força e parceria que houve enquanto Sebastião caía na estrada para revelar o mundo e realizar um sonho.
A beleza desse documentário está, sobretudo, na realidade e na esperança e possibilidade da vida.
Hoje a Pimentinha faria 70 anos! E imagina se ela estivesse viva, que delícia, que curiosidade. Não é preciso descrever em um post sobre a importância e potência musical da cantora. A boa notícia é que em comemoração a data a família lança um site oficial com fotos, vídeos, áudios, discografias e vários detalhes inéditos da maior cantora do Brasil. Só de deixar o site aberto já é maravilhoso, porque fica rolando alguns sucessos. Além disso, Julio Maria, jornalista do Estado de SP, lança hoje "Nada será como Antes", a biografia que estou ansiosa para ler pela escrita de Julio e pela história de Elis.
Agora as comemorações não param e dias 23 e 24 de maio acontece o show "Elis, 70 anos", no Palácio das Convenções do Anhembi. Um projeto do seu filho João Marcello Bôscoli que apresenta o espetáculo ao lado de Miéle contando histórias e chamando vários compositores importantes da trajetória de Elis para interpretar os sucessos.
De volta, mas não com a programação normal. Com quase oito anos de existência, ainda que com ausência, o D'propósito segue e veste uma nova roupa e se reapresenta. Mais clean, mais musical, mais eu, mais histórias, mais Tim, mais tudo.
Mudei. E mudar é bom! Não sou mais a garota, como descrevia no antigo formato, por isso trabalhei para deixar esse canto com a versão mais próxima do que sou agora, sem perder a essência e o bem que escrever me faz.
Uma pessoa comum: velha, chata, rabugenta e, ainda, bem-humorada. Jornalista, produtora e cantora profissional de banheiro, espero lançar meu livro "Parte de Um, Metade de Outro" até 2047, e dar a volta ao mundo provando a música, a culinária e as paixões. Sou jazz, soul, samba, afro, bossa nova e a baianidade nagô. Meu propósito é o que sinto e escrevo para não esquecer.