D'propósito

10 de março de 2011

I did love you

Tem dias que a coragem acorda com a loucura e desperta a certeza de ainda não ter pego tudo que a vida lhe deu de uma temporada. O tempo passa, as lembranças ficam e os livros e outros objetos também ficam, com quem não ficou. Se é justo o passado permanecer no seu lugar é correto os livros voltarem para sua estante de origem. Foi assim que saí de casa, destinada a pegar tudo que é meu, e que ainda está com você. Sem mensagem, sem telefonema, sem qualquer aviso prévio, a não ser o do interfone.

Ela está aqui! Foi o que o porteiro disse encabulado, esperando a autorização da sua voz tremula e quase sem resposta para dar, como posso imaginar.

Aliás, inconveniência foi uma das últimas características que descobri ter e resolvi por em prática. Eu chegava e sua noiva saía. Friso bem o noiva porque esse status nenhum site de relacionamento tinha me informado antes. Foi o que o porteiro me disse, sua noiva. Ela estava na sua casa e eu fiquei esperando lá em baixo por você, e veio ela, e em seguida você. Somos parecidas. Não sei onde o nosso físico ou gênio nos torna tão semelhantes. Dizem que é igualmente divertida e ciumenta, além de libriana.

- O que você quer com ele?

Foi o que ela disse antes de você chegar, me encarando e com a mão na cintura.

- Tomar um café? pegar meus livros? saber sobre as últimas? Olha, vocês são noivos, não precisa ter medo. Eu não tenho um namorado, mas eu posso respeitar o seu.

Enfim você abre a porta do elevador na pressa como se algum tufo de cabelo já estivesse no chão. Somos parecidas. Eu não gosto de barraco e ela também, não. E só por isso já gosto dela.

A noiva foi e eu fiquei. Por sorte o trabalho a chama e os nossos horários abençoam os encontros inesperados, ou desesperados. Ela entrou no carro me encarando do começo ao fim, e do começo ao fim você e eu nos encaramos naquele café da esquina. Eu tentei ser engraçadinha, como de costume. E você foi muito doce, como sempre. Aliás, por que mesmo foi que terminamos? Pensei. É claro que eu sei porque terminamos, só não entendo como aconteceu diante de tanta sintonia e, agora, me arrependo por ter aberto mão de você. Na época diziam que fui uma tola, hoje tenho certeza que fui. Basta ver sua felicidade, vai se casar. É inevitável imaginar se seria eu no lugar dela. Não serei.

Quando não tínhamos mais nada a dizer, fui até o apartamento dele resgatar o que é meu e nunca devia ter emprestado. Ele leu minha crônica preferida, agradeceu e estendeu o braço me devolvendo o livro. Sorri, peguei o livro e vi que na contra-capa estava escrito “I did love you”. É como se já tivesse vivido aquele filme, são cenas do fim. Você me abraçou, colou o rosto no meu e suspirou, “eu não posso” e repetiu diversas vezes. Eu não respondi, eu não me mexi. Mas você continuou. Beijou meu ouvido, meu pescoço, meu colo e quando olhava pra mim, com a respiração forte, pronto para beijar minha boca, o telefone tocou.

Longe, escutei o telefone tocar, senti raiva por quem quer que fosse por interferir aquele momento.
Eu acordei. Era o gosto das manhãs que não tenho mais, sem os livros que nunca mais li, que você não devolveu e eu não fui buscar.



3 comentários:

T.V.S. disse...

SImplesmente lindo isso! Nossa, arrepiei aqui..

discotequizando disse...

Belo blog. Minhas sinceras palmas!

Ju Dacoregio disse...

Caramba! Que dor no coração por causa desses encontros e desencontros inevitáveis.