D'propósito

22 de março de 2008

Sabor da resposta

Acaso - parte VI

Deitados sobre a cama, Ela olhava o rádio relógio, a foto e sentia o vento que vinha da varanda coberta de um céu azul escuro com pouca estrela. Ele mantinha os olhos fechados e escutava os sonhos, causos e aventuras dela. Os corpos não estavam colados, mas se sentiam e dividam as aspirações, num mundo que Ela recém chegava, o qual ele já era professor. A moça que Ele insistia em chamar de criança, carregava-o de perguntas, como quem tem curiosidade e ansiedade de viver. Ele esquivava-se de umas e era sincero em outras, nunca deixava o silêncio como resposta, às vezes acrescentava mais uma dúvida só para confundi-la, mas dessa vez Ele não deixou dúvida.
Contando sobre os casos do passado, comparando com o presente e revelando a instabilidade com as mulheres, Ela arrisca e pergunta:

- O que você fazia antes que agora não faz?

Ele dá sua réplica.

- Talvez a pergunta certa seria, o que eu faço agora que eu não fazia antes?

- Pois então, o que você faz agora que não fazia antes?


E pela primeira vez o silêncio chegou. Antes que dominasse aquele momento, ela se atreveu a responder e como uma criança madura, quebrou o silêncio e revelou a resposta.

- Você é o tipo de cara que foi deixado, depois disso vive inconstante; procurando diversão e fugindo do que lhe foi inevitável.

Ele levantou-se da cama e disse:

- Vou pegar sorvete.

Ali, Ele congelou o momento e a resposta dela, que mesmo tendo vivido pouco sentia as histórias e marcas perdidas no passado. E mais do que desejo, tudo aquilo virou desafio, como uma equação de matemática ou as neologias deixadas por Guimarães Rosa. Ela não sabia quanto tempo teria para desvendá-lo, mas não prolongou a conversa. Na volta com as taças de sorvete na mão Ela recebeu com um sorriso e perguntou:
- Qual o sabor?
- Acho que chocolate branco

E degustou com o sabor que lhe é permitido, de mais um efêmero acaso.

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