D'propósito

3 de junho de 2008

Santa do pau pouco oco

Ela nunca foi santa apesar de ter cara de anjo. Quando veio ao mundo com cabelos enrolados e loiros - sim, Deus existe e a menina com descendência africana, índia e portuguesa, já foi loira e de cabelos enrolados.
Com os dias de vida a seguir, a cor castanha predominou suas madeixas, de maneira que ela os mantém até hoje. Depois eliminou as ondas, o cabelo liso combina mais com seu traço de falsa mestiça, como uma velha e nova paixão a define. Apesar de seu rosto angelical na infância, a garota já escondia as pequenas e divertidas maldades que faria na vida.


A primeira foi com um ano e alguns meses de vida, quando ainda não andava, só engatinhava. Isso até sentir o cheiro do perigo no território familiar. Seu primo que acabara de chegar da maternidade, estava sozinho no quarto e deitado sobre a cama; enciumada com a presença do garotinho, pela primeira vez caminhou e pegou-o pelas pernas e foi puxando até o saco de lixo. A mãe do garoto viu e impediu o ato criminal da menininha, que com pouca idade já revelava uma mente tendenciosa e astuta.

Ela cresceu e as maiores maldades eram feitas só com o irmão, que mesmo sendo mais velho, apanhava dela. Quando ele se tornou esperto feito ela – ou algo próximo a isso - a socou por tudo que o fez sofrer. Sem problemas, ela gritou pela mãe e tudo resolvido.

No colégio fez maldade com professor e com amigos. Na quinta série quase matou uma professora de 50 anos do coração e fez outra mais tarde chorar feito criança, por uma resposta torta e sincera que a garota deu. A menina ficou com sentimento de culpa e comprou dois chocolates para professora chorona, mas resolveu ficar com um.

Com os amigos aprontou várias dentro da sala de aula. Fez testes de resistência com os que queriam entrar no grupo e ganhar a considerável medalha de amigo. O lema era: eu danço pelo meu amigo e Hakuna Matata; concordando com isso estava dentro. Mesmo sacaneando todos, nunca os abandonou, nem mesmo nas provas de literatura e gramática.

Ainda que, com boas notas, vez ou outra era acusada de má influencia, nunca havia roubado, ou induzido às boas almas para o mau caminho, sabia qual era a ética. Até dentro de campo ela era ética. Batia um bolão, de meia-esquerda no campo, até pivô no salão. O futebol a representava, ela era sarcástica, mas fiel. Abusada, mas honesta.

Assim foi até partir para a vida adulta, quando conheceu dois homens, que sabe-se lá como, arrancou-lhe a essência cruel. A garota, de repente perdoava todos, aceitava tudo para evitar brigas. Ela que um dia preferiu ser vista como agressiva à conformista, mudou a opinião. Preferia a cautela e o tempo.

E, em tão pouco tempo a garota que tinha um Q de maldadizinha divertida, tornou-se santa do pau quase ou pouco oco. Ninguém acreditava na sua mudança, até que ela foi trapaceada duas vezes e não matou, não se vingou, nem sentiu ódio dos malfeitores. Quando notou isso, percebeu que estava boa demais, e toda essência de menina aspirante a cruel tornou-se sagacidade. Aí compreendeu que ninguém é totalmente bom nem totalmente ruim. Mas teve a certeza que quando era má ou fazia as maldades infantis, sofria bem menos. Achou essa coisa de gente grande muito complicada pra quem não é santa, e também não é oca.

2 comentários:

LiPpE bOsB disse...

Rs...acho tudo isso muito louco mesmo!!!! participei e ainda participo da vida da "menina cão" de tão má que um dia foi, me atrevi a entrar no grupo dela e também levei suas peripercias maudosas, até aceitar nosso lema:eu danço pelo meu amigo e Hakuna Matata. E assim os anos foram passando e ao seu lado vendo suas mudanças, acho que só a experiência madura da vida pra modicar aquilo que era, escorregar, puxar e ser puxado o tapete, dar e levar apunhaladas pelas costas entre outras atitudes faz você mudar, e foi isso que aconteceu, seja boa uma mulher estremamente boa, mais.....quando for pra ser má seja pior ainda; dente por dente, olho por olho.....
Acho que deve ser assim.

;)
LiPpE bOsB

Unknown disse...

Praticamente uma garota Auschwitz!

Como é lindo desfrutar da maldade!

Digo isso não só pelo fato do ódio ser um sentimento sincero. Eu falo com propriedade de quem adora resgatar o néctar do fundo do caldeirão das bruxas.

Pessoas boas demais, ou que demonstram isso com facilidade, me fazem desistir, sabendo muito cedo o que vou encontrar se eu revirá-las. (Loucura, eu sei!)

Parabéns pelas suas “doces maldades” e pelo lindo espaço!
Beijos, Pedro!