D'propósito

30 de agosto de 2007

Você e só você

Você sempre me pediu para escrever algo que fale de você ou sobre a nossa história e, eu incansavelmente disse que essas coisas não se pedem, tampouco se implora ou deseja uma dedicação de um dia comum ou fracassado, como um blog de pouco acesso. E sabe o que mais? Não sei que história você diz para eu contar. Não sei se são interessantes casos e travessuras da infância, aborrecência e agora da vida adulta.

Pensando bem, não sei como essa relação que existe entre nós sobreviveu a todos esses anos. Houve momentos que quase desisti de você, momentos dos quais a sua presença era propositalmente para me aborrecer e contrariar as idéias, que tinha por mim, brilhante. Natural de uma menina egocêntrica, como eu, nada de novo. Mas o que sempre era novo, e se hoje acontecesse de novo ainda não seria velho, eram os momentos em que meu abdômen doía por suas palhaçadas constantes e maldades alheias.

Você sabe muito bem que sempre tive um êxtase em nossas maldades, talvez mais em suas crueldades, porque elas eram só suas, feitas por você. Não adianta negar ou fazer-se de vítima. Eu sempre levei a culpa, mas era você e só você que apagava a lousa arrastando o tronco da Jéssica por toda a superfície branca, cheia de riscos e rabiscos deixados por nossos mestres e, depois da garota já suja de canetão, não contente, você a jogava no lixo.

Certo. Não vou negar. Isso me divertia e fazia um bem pro meu coração, ele batia alegre em ritmo de samba, parecido com aquele que levou a vitória no carnaval de 2002 do Rio de Janeiro. Como sempre minha estação primeira de Mangueira. E, eu como admiradora do carnaval e apaixonada pelo samba levei o hit à vocês, com o clássico “Eu vim do nordeste sou cabra da peste. Sou o quê? Sou mangueira...”
Desde então você, Jéssica e companhia viraram Mangueira, muito provavelmente não só pela música, ou por minha influência, mas talvez pelo momento que aquele carnaval marcou nossas aulas de química.No ritmo da minha voz e do meu batuque, você e Jéssica sambavam e logo depois a classe toda já estava de pé, vibrando e dançando junto. O que mais me impressiona hoje, era a calma da professora em ver nosso samba abrindo aula e fechando aula.

Sem dar trégua no samba com a felicidade fazendo a harmonia, é que de repente você, somente você, faz a Jéssica arremessar o próprio tênis pela janela e acidentalmente cair na cabeça de uma idosa professora. E coitada da Jéssica, foi lá no lixo, buscar seu calçado, que muito nervosa a professora atirou o sapato ao cesto de lixo.

Depois disso, lixo e Jéssica viraram sinônimos, porque a pobre vivia dentro dele ou com seus pertences pertencentes a ele.Mas depois de rir muito da cara da Jéssica, cansei. Então, Jéssica e eu resolvemos fazer você ser a piada, fomos más, mas isso foi necessário para sua educação. Precisávamos ter juntado nossas forças pra bater em você, afinal, uma era pouco e você sempre foi muito. Muito maior, muito mais lesada, muito mais gorda – mentira a Jéssica era mais gorda - Muito mais apaixonada pelo Rui, muito mais fiel aos seus princípios e muito pior que eu no futebol.

Isso você era o fracasso, não bastava ser muito pior. Por que você e só você, conseguiu cair feito um pingüim quando confundiu Daniela com a bola. Você chutou a menina, a jogou para longe, assim como fez nos outros cinco anos de Chicomfu futebol clube - “Chicomfu, chicomfu...Uh, uh!”- Você era nossa zaga, não deixava passar nada, arremessava tudo para longe. Literalmente.Assim como fez no campeonato de basquete, arremessou todas as meninas da quadra, você era grande, praticamente uma cavala, fantástica. Graças a sua proteção, eu pude deslizar com a bola por toda a quadra e nós fomos campeãs.

E somos até hoje, porque somente nós conseguimos reunir um bando de professores para o almoço, o primeiro, o melhor e o inesquecível. Foi fantástico, conseguimos nota e ainda nos livramos da quase DP de química, tenho certeza que foi a comida da sua mãe, o nosso suco com uma mosca morta no seu copo e os tomates mal lavados que nos fizeram ir para o segundo ano do colégio.Depois disso você decidiu que ia ser adulta, trabalhar e ir para a noite. Então, nossas emoções escolares viraram caseiras, como o dia que jogávamos bola no prédio e você delicada abocanhou o Alexandre. Deixou seu dente na camisa dele. Você chorou, mas eu ri, ri muito, porque foi inacreditável e o seu desespero hilário. Desculpe, eu precisava confessar.Mas eu não me esqueci da final da copa Guaraná, quando lasquei meu dente da frente e, a primeira imagem que me veio a cabeça foi você. O que tinha feito contigo quando perdeu seu dente na camisa alheia. Não diferente você fez o mesmo, riu da minha cara enquanto eu chorava por uma lasca perdida.

Em resumo eu sei que nós perdemos muitas aulas, mas aprendemos muito. Rimos uma das outras, fizemos maldades uma com as outras, fizemos maldades com os outros, nos comportávamos como moleques, porque éramos meninas vestidas de travessuras com o cheiro de infância fixado no corpo. Vivemos mil, fomos todas e éramos três –ACJ- O teatro nos confirmava isso e agradava quem nos assistia, dentro e fora dos palcos.Hoje que mais velha me vejo, não teria feito nada diferente, nem mesmo as maiores ignorâncias cometidas pelo egoísmo e o deboche que muitas vezes esteve presente. Porque tudo foi feito como um documentário sem roteiro, que gravamos nossa vida, improvisamos nossa trilha e marcamos uma época. Porque você e só você, é capaz de entender tudo o que eu tenho a dizer.

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