D'propósito

10 de janeiro de 2008

Choque de civilizações


A única ligação entre São Paulo e o Rio de Janeiro é a Dutra. Fora isso, tudo nos afasta: o clima, a geografia, os costumes e, claro, o idioma -- ou você vai me dizer que João Gordo e Evandro Mesquita falam a mesma língua? Esta barreira idiomática, acredito, é a principal fonte dos nossos problemas: ninguém se entende, acaba surgindo uma certa animosidade, a gente acha que foi chamado de estressado, eles pensam que ouviram alguma coisa sobre malandragem e, quando vamos ver, já era: nós ficamos sem praia e eles sem pizza. Perda total.

O choque de civilizações, no entanto, está com os dias contados. Tendo em vista a amizade entre os povos, a paz mundial e os bolinhos de bacalhau do Jobi, resolvi fazer alguma coisa. Mergulhei em intensos estudos carnavalescos, escaldantes pesquisas praianas – entre outras experiências extremamente arriscadas (para um paulista) -- e trouxe à luz, acredito, uma grande contribuição para o entendimento entre os dois estados: a Pequena gramática do carioquês moderno.

Nela, cheguei às três regras básicas da língua falada por aquele povo: a regra do R, a regra do S e a regra das vogais. As duas primeiras são de conhecimento geral: R no final da palavra ou no meio se fala arrastado (porrrrrrta, perrrrrrto), e o S transforma-se em X (mixxxxxto-quente, paxxxxta de dentexxxx). É na regra sobre as vogais, no entanto, que consiste a originalidade da minha descoberta e é ela que fará com que a minha gramática, assim como meu nome, ainda ressoem por aí muitos séculos depois que eu tiver ouvido repicar o último tamborim.

Enquanto em São Paulo somos alfabetizados com o A – E – I – O – U, as crianças do Rio de Janeiro aprendem A – Ea – Ia – Oa – Ua. Sim, há um A depois de cada vogal. Pegue qualquer palavra, como copo, pé e carro, por exemplo, e aplique a regra das vogais. Agora, fale em voz alta: coapoa, péa, carroa. Viu só? Aía, éa sóa voacêa pôarrrr A eam tuadoa, troacarrr S poarrr X e eaxxxticarrr o R quea fiaca óatiamoa.
O caminho inverso também funciona. Ao ouvir uma frase em carioquês, por exemplo: “Tua éa móa manéa, paualiaxxxxta oatarioa, voalta pra Móoaca”, transcreva-a, subtraia os As sobressalentes e você terá a sentença em paulistês.

Embora seja um grande avanço em face da estagnação em que estavam os estudos do carioquês por estas bandas, minha gramática ainda tem um enorme desafio a esclarecer: como é que o S vira R na palavra mearrrrmoa (mesmo)? E, mais ainda, por que é só nessa palavra? Tema apaixonante ao qual, prometo, retornarei em breve.

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